O novo Código de Processo Civil, o acesso à Jurisprudência e o PJe

Diversas são as polêmicas envolvendo o novo Código de Processo Civil, uma delas refere-se ao § 1º do art. 489, sobre a fundamentação das decisões, que recebeu sanção presidencial, mas continua a provocar discussões entre magistrados e advogados. A fundamentação das decisões é uma exigência constitucional (art. n. 93, IX, da CF). O dispositivo do Novo CPC estabelece que “não será considerada fundamentada a decisão que […] não enfrentar todos os argumentos capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.

Segundo o Professor Rafael Tomaz de Oliveira, em artigo publicado no Conjur[i], a garantia da decisão fundamentada (e, de forma correlata, da estabilidade, coerência e integridade da jurisprudência, que representam importantes conquistas hermenêuticas) é um dos poucos elementos qualitativos que afetam diretamente o jurisdicionado. Para ele, o destinatário da decisão judicial é toda a República que exige, juntamente com a regra democrática, a transparência nos processos decisórios, bem como uma prestação de contas relativa aos elementos envolvidos no complexo processo interpretativo do qual resulta uma decisão judicial.

Por outro lado, os magistrados manifestam preocupação com a exigência de enfrentamento de todos os argumentos das partes, uma vez que muitos deles certamente não serão pertinentes à lide. Entendem que a necessidade poderá gerar morosidade do processo.

Entre os incisos do § 1º do art. 489 do NCPC que determinam se a decisão será considerada não fundamentada destacam-se aqueles relativos à necessidade de acesso à jurisprudência dos tribunais: “V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;” e “VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

Assim sendo, parece óbvio que, cada vez mais, o acesso à jurisprudência dos tribunais é uma das principais ferramentas de trabalho de advogados e magistrados na busca pela segurança jurídica.

Os tribunais superiores dispõem de bases de conhecimento da jurisprudência, com destaque para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, além da base de dados atualizada, oferece acesso aos Recursos Repetitivos, Jurisprudência em Tese, Pesquisa Pronta, Revista de Jurisprudência Eletrônica, Súmulas e outras consultas elaboradas a partir da jurisprudência selecionada. Também o Conselho da Justiça Federal (CJF), desde 2006, oferece, em uma única busca, o acesso à jurisprudência do STF, STJ, cinco tribunais regionais federais e, posteriormente, houve o acréscimo da Jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais.

No entanto, consulta realizada aos sites dos 27 tribunais de justiça, leva a crer que a valorização da jurisprudência dos tribunais de segundo grau não ocorre na medida da necessidade de fundamentação das petições, sentenças e acórdãos. Em alguns casos, é impossível para um juiz de primeiro grau conhecer o entendimento de determinada turma ou desembargador do seu tribunal.

Embora, aparentemente, os 27 tribunais ofereçam acesso à jurisprudência, em alguns casos, as bases de dados estão desatualizadas e, em outros, a busca não recupera documento algum. Em muitos tribunais, o link para o acesso à jurisprudência é de difícil localização. Em três deles, esse acesso está disponível, apenas, no perfil dos advogados. Em alguns tribunais, a jurisprudência é dividida em duas bases de dados: uma relativa aos processos físicos, que não disponibiliza o inteiro teor, e outra relativa os processos eletrônicos. Quase sempre, não há informação sobre as datas relativas a cada um dos conjuntos de julgados, entre outros problemas observados que mereceriam uma norma orientadora para padronização do Conselho Nacional de Justiça.

Com os sistemas de processo eletrônico, a maioria dos tribunais passou a disponibilizar a consulta ao conjunto integral dos seus acórdãos, o que, absolutamente, não pode ser considerado acesso à jurisprudência, porquanto esta, na opinião de diversos autores, é a posição de um órgão julgador ou corte sobre uma matéria repetida em julgamentos. Representa o posicionamento do tribunal, da turma ou do magistrado a respeito de uma matéria jurídica, sendo a forma como um tribunal interpreta a legislação. Para isso, é preciso haver repetidas decisões a respeito de um mesmo assunto. A súmula é um resumo da jurisprudência sobre determinado tema, elaborada para orientação.   

A disponibilização do inteiro teor de todas as decisões dos tribunais não pode ser considerada disponibilização da jurisprudência, uma vez que resultará em grande profusão de decisões distintas sobre teses idênticas e poderá contribuir para a fundamentação equivocada de petições.

Os tribunais superiores possuem critérios para a seleção dos julgados representativos das decisões dos seus órgãos julgadores. As suas bases de dados são amostrais e observam critérios para a seleção dos acórdãos que devem representar o entendimento dos tribunais sobre determinadas teses. Esses critérios são adotados pelos tribunais superiores e por alguns dos  tribunais regionais federais, conforme orienta o Manual de Indexação de Jurisprudência da Justiça Federal[ii].

Para a elaboração das bases de dados de jurisprudência, os tribunais superiores adotam instrumentos de controle terminológicos, como o Tesauro Jurídico, além de metodologia de indexação para a seleção das palavras-chave, que aprimoram as buscas e a seleção das decisões por analistas judiciários que conhecem a jurisprudência da corte, de forma que os acórdãos selecionados retratem fielmente o pensamento do órgão julgador. Também, periodicamente novos acórdãos são incluídos para possibilitar a compreensão acerca de possíveis mudanças de entendimento.

No entanto, as unidades de jurisprudência, responsáveis pelo processo de seleção e indexação dos acórdãos, com raras exceções, atualmente sobrevivem apenas nos tribunais superiores, cuja jurisprudência é de observância obrigatória para todos os demais tribunais.

Com a disponibilização do inteiro teor do processo eletrônico, entenderam muitas cortes  que as bases de dados de jurisprudência poderiam ser todo o conjunto de decisões. Esse entendimento levou à desvalorização das unidades de jurisprudência e, por extensão, das bases de dados de jurisprudência e daquela própria do segundo grau de jurisdição. Atualmente, conhecer a jurisprudência de um tribunal de segundo grau está cada dia mais difícil.

Em 29 de maio, o Conselho Nacional de Justiça anunciou a criação da ferramenta de busca de jurisprudência no Processo Judicial Eletrônico – PJe. O CNJ planeja lançar o buscador na próxima versão do PJe, para que os usuários possam pesquisar as decisões judiciais que já tenham sido proferidas nesse sistema.

Iniciativa louvável. Certamente tal ferramenta será de grande valia para a transparência da Justiça e publicidade à atividade judicial. Porém, é desejável, que essa busca seja nomeada de “busca ao banco de decisões do tribunal X”, e não de “base de dados de jurisprudência”, e que se possam adotar critérios objetivos para a seleção de um conjunto de decisões amostrais que representem a jurisprudência de cada corte.

Além de embasarem as decisões judiciais, as bases de dados de jurisprudência permitem o controle social das decisões judiciais pela sociedade civil, advogados, cidadão e pelos próprios magistrados, aprimorando, cada vez mais, a transparência da Justiça. No âmbito do segundo grau de jurisdição, essa transparência está cada vez mais difícil.

[i]  Oliveira, Rafael Tomaz de. Debate sobre fundamentação no novo CPC precisa ser menos corporativo. Conjur, 30 maio 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mai-30/diario-classe-debate-fundamentacao-cpc-corporativo>. Acesso em 8 jun. 2015.

[ii] GUIMARÃES, José Augusto Chaves; BASÍLIO, Marisa Bräscher; DE SORDI, Neide Alves Dias. Manual de Indexação de Jurisprudência da Justiça Federal. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 1996. 73p.