Avaliação da Lei de Acesso à Informação: um ano depois

Em 18 de maio, a Lei n. 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação (LAI) – completará um ano de vigência. Ela representa um avanço para a transparência das ações governamentais, efetivação dos direitos e ampliação do controle social no processo de tornar a gestão pública mais transparente.

Embora o direito ao acesso à Informação já estivesse presente no ordenamento jurídico desde a Constituição Federal de 1988, a LAI garantiu a operacionalização desse direito e ainda o dever do Estado de prestar as informações.

Ainda timidamente, a sociedade começa a solicitar aos órgãos públicos informações do seu interesse. O balanço divulgado pela Controladoria-Geral da União (CGU), em dezembro de 2012, informa que foram registradas, somente no governo federal, quase 49 mil solicitações. Esse número demonstra que a lei está sendo efetiva, que “pegou”, mas ainda em escala bastante reduzida, considerando-se o tamanho da população brasileira.

No âmbito do Executivo Federal, serviços de informação e centrais de atendimento ao cidadão foram criados, e as informações obrigatórias relacionadas na LAI como transparência ativa foram disponibilizadas em todos os sites institucionais. Com menor empenho, também as unidades da federação e os municípios têm aprovado leis semelhantes e implementado os serviços decorrentes.

Cerca de 90 países no mundo já aprovaram leis de acesso à informação. No entanto, a lei brasileira foi considerada pela Unesco como um avanço, por incluir, além do governo federal, estados e municípios.

Outra particularidade da Lei de Acesso à Informação brasileira é a obrigatoriedade do poder público de disponibilizar as suas informações, dados e documentos em formato aberto. Para o atendimento a essa determinação, em abril de 2012, foram criados o Portal Brasileiro de Dados Abertos e a Infraestrutura Nacional de Dados Abertos (INDA). Até o momento, o Portal conta com quase 90 conjuntos de dados e mais de mil bases de dados, e já possibilitou a geração de mais de 15 aplicações desenvolvidas por usuários utilizando os dados abertos. A INDA é um conjunto de padrões, tecnologias, procedimentos e mecanismos de controle necessários para auxiliar na disseminação e compartilhamento de dados e informações públicas em formato aberto.

Dados abertos governamentais são aqueles produzidos pelo governo e colocados à disposição dos cidadãos de forma a tornar possíveis não apenas sua leitura e acompanhamento, como também sua reutilização em novos projetos, sítios e aplicativos, além do cruzamento com outros dados de diferentes fontes, e disposição em visualizações interessantes e esclarecedoras[1]. Os dados abertos governamentais podem ser conjugados com as tecnologias de informação, com vistas à geração de novos serviços e produtos que contribuam para a melhoria de vida dos cidadãos.

A sociedade civil está engajada no processo de construir o governo aberto. Diversas organizações não governamentais integram a Parceria para o Governo Aberto (OGP na sigla em Inglês), iniciativa internacional que objetiva assegurar o cumprimento dos compromissos de governos nas áreas de promoção da transparência pública, combate à corrupção, participação social e de estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias, para tornar os governos mais abertos e efetivos.

Para integrar a OGP, os países participantes precisam endossar uma declaração de princípios de Governo Aberto, apresentar um plano de ação nacional formulado com base em consulta pública e submeter-se a uma avaliação realizada pelo Mecanismo de Avaliação Independente da OGP sobre os progressos em Governo Aberto realizados.

Em 22 e 23 de abril, o Comitê Diretor do OGP reuniu-se, em Londres, para, entre diversos assuntos, apresentar o processo participativo de construção do segundo plano de ação do governo brasileiro. Este inclui propostas da sociedade civil e do governo, aprovadas pelo Comitê Interministerial para Governo Aberto (CIGA), instância de deliberação da participação do Brasil na Parceria para o Governo Aberto.

Ainda no primeiro semestre de 2013, o Brasil será um dos oito países fundadores da OGP a se submeterem à avaliação independente mencionada. Essa avaliação apresentará os avanços e obstáculos e garantirá credibilidade e legitimidade à OGP e, se bem realizada, registrará os diversos problemas em decorrência dos quais persistem os obstáculos que impedem a efetividade da LAI. Entre as questões merecedoras de destaque nessa avaliação inclui-se a falta de regulamentação na maioria dos estados e municípios.

Pesquisa da Controladoria-Geral da União (CGU) indicou que, em janeiro de 2013 (data de início da pesquisa), a LAI estava regulamentada em apenas 12 Estados (BA, CE, ES, MG, PB, PE, PR, RJ, RO, RS, SC, SP) e 10 capitais (Rio Branco, Manaus, Brasília, Vitória, Belo Horizonte, Campo Grande, Belém, Rio de Janeiro, Florianópolis e São Paulo), o que representa 46% dos Estados e 37% das capitais. Em relação aos municípios, apenas 8% regulamentaram-na. Ou seja, a LAI não havia sido regulamentada em 92% dos municípios brasileiros.

Além disso, há problemas para a efetividade da LAI nos demais poderes da República, como no Judiciário, onde a regulamentação ainda não ocorreu ou no Legislativo, onde a mesma criou exigências não previstas na Lei.

Diferentemente do que estabelece a LAI, na Câmara e no Senado, para acessar dados referentes à remuneração dos servidores, é preciso preencher formulário com nome, CPF, e-mail e endereço residencial. Também são exigidos o registro do IP (número de identificação do computador na internet) e a declaração do solicitante de que as informações por ele fornecidas são verdadeiras.

No Tribunal de Contas da União (TCU), a LAI foi regulamentada no último mês de abril, proibindo a divulgação de informações sobre processos de controle externo em andamento na corte. Com a norma, dados sobre resultados de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas só poderão ser concedidos após o julgamento do processo pelo tribunal. Informações preliminares poderão ser fornecidas, a critério dos relatores.

Dessa forma, informações sobre indícios de fraude ou de qualquer outro crime, no curso de fiscalização ou análise, não serão levadas ao conhecimento público até o julgamento. Ao final do processo, o TCU pode aplicar multas e decretar o pagamento dos débitos ao Estado; porém, Porém, as fraudes e irregularidades só se tornarão conhecidas pela sociedade alguns anos depois.

Nos tribunais superiores, a LAI ainda não foi regulamentada. No Supremo Tribunal Federal (STF), tal responsabilidade é conferida à Comissão de Regimento Interno da Corte, composta pelos ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, que já elaborou a proposta preliminar. Contudo, o texto ainda não foi analisado pelo colegiado.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) avocou para si a regulamentação da LAI no âmbito do Judiciário. A Portaria n. 80, de 12 de junho de 2012, do presidente do CNJ, estabeleceu um grupo de trabalho para analisar a lei e identificar os pontos que precisam de esclarecimentos ou regulamentação, para ser ela melhor aplicada por parte dos tribunais. O esforço iria subsidiar proposta de resolução, a ser submetida ao Plenário do CNJ. Até o momento, os resultados do trabalho não foram apresentados.

Entre as questões que precisam ser regulamentadas inclui-se a divulgação do nome das partes nos processos criminais. Diferentemente do que ocorre com a nova regulamentação no TCU e mesmo do Judiciário de outros países, no Judiciário brasileiro, informações sobre o andamento dos processos são disponibilizadas nos sistemas processuais na internet. No entanto, na maioria dos tribunais, os nomes dos réus costumam ser omitidos até o julgamento do processo e depois dele; quando, para não frustrar as investigações, bastariam ser omitidos apenas até o oferecimento da denúncia.

A omissão dessas informações processuais dificulta a coleta de estatísticas para a gestão do processo e da Justiça. Tal omissão só se justifica quando se tratar de questões de direito de família ou de interesse de menores e incapazes, o que não é o caso dos processos criminais.

Em favor do STF, registra-se a decisão de 10/04, de revogar a norma que determinava a inclusão de apenas as iniciais dos nomes de autoridades denunciadas em inquéritos da corte, acabando com um privilégio praticado na maioria dos tribunais.

No âmbito das informações administrativas e orçamentárias, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia adotado medidas para tornar mais transparentes as atividades dos órgãos do Poder Judiciário, antes da promulgação da LAI. Em dezembro de 2009, a Resolução n. 102 do Conselho determinou aos tribunais a publicação na internet de informações sobre gestão orçamentária e financeira, quadro de pessoal e estrutura de remuneração de magistrados e servidores, inclusive despesas com passagens, diárias, contratação de serviços e obras. Desde então, tais dados estão disponíveis no Portal da Transparência do CNJ. Além disso, essa resolução estabeleceu, no mesmo ano, a publicação nominal dos salários, e, para melhor atender aos ditames da LAI, foi alterada pela Res. n. 151, de 5 de julho de 2012.

A disponibilização das informações em formato aberto, nos seus sites ou no Portal Brasileiro de Dados Abertos ainda não faz parte da rotina das instituições judiciárias. Até o momento, apenas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem publicado dados no mencionado portal.

O debate entre o direito de acesso à informação versus o direito à privacidade ainda não foi devidamente enfrentado pelo CNJ.  A derrubada do sigilo de inquéritos no STF é uma ação relevante relacionada. A inclusão apenas das iniciais pode trazer prejuízos, como levar o cidadão a votar em candidato “ficha suja”.

A Lei de Acesso à Informação dotou a sociedade civil de instrumentos fortes para a consolidação da democracia participativa. O Judiciário precisa continuar evoluindo no processo de disponibilização das informações públicas e consolidação do governo aberto, que concorrem para a melhoria na gestão pública, maior participação popular e controle social das ações governamentais.

Categorias: Gestão pública, dados abertos, governo aberto.


MANUAL dos Dados Abertos: Governo. W3C.Traduzido e adaptado de opendatamanual.org.  Disponível em: <http://bit.ly/W3C_Manual_DadosAbertos>  Acesso em 4 de maio de 2013.